Por Fernanda Sypniewski
Os seis textos que compõem a coletânea “A Dor” foram escritos em diferentes fases da vida de Marguerite Duras. Uma primeira versão daquele que dá título ao volume, assim como os escritos “Albert des Capitales” e “Ter, o miliciano”, foram redigidos logo após o fim da Segunda GM, provavelmente entre 1945 e 1949. A ficção “A urtiga perdida” também teria sido escrita na sequência da guerra, mas um pouco mais tarde. “Senhor X, conhecido aqui como Pierre Rabier”, teve seu primeiro esboço em 1958, sendo finalmente acabado em 1984 para a publicação do livro. Por fim, “Aurélia Paris”, conforme a versão publicada, teria sido igualmente redigido em 1984, embora existam outras versões anteriores com conteúdos semelhantes.
Segundo a pesquisadora Laura Mascaro, que apresenta a obra na edição da Bazar do Tempo (2023), apesar de possuir a característica de um diário, os cadernos originais teriam sido escritos após, e não durante, os acontecimentos relatados.
“O texto A dor é envolto em uma aura de mistério reforçada pelo elemento do esquecimento e da redescoberta, reavivando o topos do manuscrito encontrado.”
O texto finalizado e publicado parte da reescrita e do reordenamento de três cadernos distintos. Desses, dois constituem o diário ao qual a autora se refere no preâmbulo do livro: “Encontrei este diário em dois cadernos dos armários azuis de Neauphle-le-Château”.
Duras: “A dor é uma das coisas mais importantes da minha vida” (p.12).
Nestas páginas, a autora descreve com angústia suas experiências durante a Segunda Guerra Mundial, diante de uma França ocupada e da espera devastadora pelo retorno do seu marido, Robert Antelme, que fora preso por sua atuação na resistência francesa e enviado a um campo de concentração na Alemanha. Diante dos acontecimentos históricos concomitantes à espera interminável, Duras reagiu como alguém cujo destino foi determinado pela política e pela história.
Duras: “Ao morrer, não me junto a ele, eu deixo de esperar por ele” (p.16).
Os outros textos trazem também narrativas ambientadas neste contexto: eles vão das articulações do movimento da Liberação da França, resistência francesa à ocupação nazista da qual Duras e seu marido participavam, até o fim da Segunda Grande Guerra.

A vida e a obra de Marguerite Duras (1914-1996) percorreram o século XX em toda sua intensidade. Produzindo em vários formatos, seus textos intercalam a esfera íntima com a História, tematizando desde a infância colonial da autora, passando pela 2ª GM e pela queda do Muro de Berlim, e desembocando nos momentos derradeiros de sua vida. Seu trabalho e sua e vida se tornaram objetos dos Estudos Literários, da Psicanálise e dos Estudos Cinematográficos.
Toda a obra de Duras compartilha algo que não pode ser traduzido facilmente em palavras ou percebido pelos sentidos: ao lê-la, nos deparamos a todo momento com um vazio, a partir dos fragmentos de suas memórias que dividem espaço com as palavras escritas e impressas em papel. Ler Marguerite Duras é, também, nos encontrarmos com o nosso próprio vazio.
Serviço
A dor, de Marguerite Duras
Tradução: Luciene Guimarães de Oliveira e Tatiane França
Bazar do Tempo, 2023

