Virgínia Woolf, uma leitora incomum e perspicaz

Por Fernanda Sypniewski

A obra “A Leitora Incomum” mostra aos leitores brasileiros uma faceta da autora britânica Virginia Woolf diferente e mesmo complementar da criadora: a ensaísta literária. O trabalho foi traduzido por Emanuela Siqueira e ganhou uma charmosa edição da Arte & Letra em 2020. Nela, estão presentes cinco ensaios, publicados entre 1919 e 1929 em suplementos e revistas literárias. 

Os escritos são: Horas na biblioteca, A anatomia da ficção, A vida e o romancista, Uma mente implacavelmente sensível e Fases da Ficção. No decorrer da leitura, descobrimos uma leitora muito atenta e com perspicaz senso crítico. Ao longo das páginas, são objetos de sua reflexão autores como Jane Austen, Henrik Ibsen, Bernard Shaw, Charles Dickens e Katherine Mansfield, entre outros. 


Destaco aqui o texto sobre a escritora neozelandesa Katherine Mansfield (1888-1923). Para Woolf, a contista foi uma das mais notáveis de seu tempo: nenhum crítico, segundo ela, foi capaz de definir apropriadamente suas qualidades.

O que interessa a Woolf, ao falar de Mansfield, não é a qualidade de sua escrita, mas sim o “espetáculo de uma mente — uma mente implacavelmente sensível(p.39). V. W. mergulha ao longo desse ensaio no diário da contista, onde ela anotou fatos, rascunhou cenas, e descreveu personagens, sonhos e conversas. Nesses registros, “sentimos que estamos acompanhando uma mente que está sozinha consigo mesma” (p.39). 

Mas então, o diário é tão íntimo e instintivo que permite que um eu se rompa do outro que escreve e permaneça um pouco distante, observando-o escrever (p.40). 

Mansfield viveu uma vida curta. Aos 34 anos, a tuberculose a matou. As obras publicadas na brevidade de sua existência foram capazes de colocá-la como contista proeminente, no contexto do século XX.

Sob a pressão da crescente doença, ela começou uma pesquisa sobre seu estado, da qual é possível apenas captar vislumbres em seu diário. Vislumbres que, para Woolf, são difíceis de interpretar.

Depois de cinco anos de luta, Mansfield desistiu da busca pela melhora de sua saúde física, pois achava que sua doença seria, na verdade, oriunda da alma, o que impossibilitaria o sucesso dos tratamentos físicos. Antes de partir, ela escreveu um resumo de sua posição sobre o tema, com o qual termina seu diário. Escreve Woolf:

Queria saúde, escreveu: mas o que queria dizer com isso? “Com saúde”, escreveu, “quero dizer o poder de levar uma vida repleta, adulta, vívida e verdadeira, em contato íntimo com o que amo – a terra e suas maravilhas – o mar – o sol… então, eu quero trabalhar. No quê? Eu quero tanto viver para trabalhar com minhas mãos, meu sentimento, meu cérebro. Quero um jardim, uma casa pequena, grama, animais, livros, fotos e música. E fora isso, a expressão disso, eu quero escrever. (Embora, possa escrever sobre cocheiros. Sem problema.)

O diário termina com um singelo “Tudo está bem”. Segundo Woolf, Mansfield morreu três meses depois disso.

É tentador pensar que as palavras representavam alguma conclusão em que a doença, e a intensidade de sua natureza, a levaram encontrar, em uma época em que a maioria de nós protelamos pelas aparências e impressões, essas distrações e impressões, essas distrações e sensações, que ninguém amou tanto quanto ela (p.43). 

Virginia Woolf começou a ser traduzida no Brasil em 1944. Entretanto, seus ensaios chegaram por aqui apenas em 2012, com o livro Profissões para mulheres e outros artigos feministas (L&PM, 2012). Nesse volume encontram-se sete ensaios, nos quais ela questiona a visão tradicional da mulher como “anjo do lar” e expõe as dificuldades da inserção feminina no mundo profissional e intelectual da época. Virginia viveu em uma época na qual o papel da mulher estava modificando-se muito rapidamente; suas críticas e reflexões, portanto, mostram que ela era uma autora à frente do seu tempo. 

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Serviço 

A Leitora Incomum“, de Virginia Woolf

Arte & Letra Editora, 2020

Tradução de Emanuela Siqueira