Revisitando clássicos: “Imagens do Inconsciente”, os símbolos e as vozes

Por Daniel Felipe

Imagens do Inconsciente (1988) é um documentário em três partes dirigido por Leon Hirszman (1937-1987) entre 1983 e 1986 e lançado após a morte de seu realizador. No trabalho, o espectador é convidado a um mergulho nas obras pictóricas de Fernando Diniz, Adelina Gomes e Carlos Pertuis – três pacientes que frequentavam o ateliê de pintura e modelagem comandado pela psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), a introdutora da psicologia analítica (ou junguiana) no Brasil.

O trânsito da câmera pelo Centro Psiquiátrico Pedro II, e a interação dos pacientes com ela, já renderiam um filme à parte. Mas no presente trabalho, essa dinâmica funciona com um intuito introdutório. O foco de cada um dos capítulos é para os processos criativos nascidos na terapêutica ocupacional e seus resultados – ou, indo além e sendo mais pontual, para uma grande e precisa hermenêutica em torno dos trabalhos produzidos pelos pacientes, a partir de textos redigidos pela própria Nise, narrados por Vanda Lacerda (1923-2001).

Os diálogos entre câmera, pintura e análise verbal produzem mais do que simples interpretações ao estilo causa e consequência, na medida em que revelam a complexidade interior dos pacientes, iluminando aspectos de suas trajetórias individuais e evidenciando a potência semântica de suas obras universais. Por tabela, e mesmo que sem essa intenção, a partir das incursões do discurso da psiquiatra o espectador assiste a uma verdadeira aula de psicologia analítica, sendo capaz de compreender a presença e a transmissão dos mitologemas como fundação sólida para tópicos junguianos como a chamada teoria dos arquétipos e a estrutura simbólica da psique.

Nesse direcionamento, Hirszman desenvolve uma poética da observação e da escuta, utilizando a decupagem como uma ponte interagente entre o texto especializado e o espectador. Enquadrando e escrutinando as pinturas, a câmera se permite ela própria “entrar” nas imagens que focaliza, a partir dos achados dos exames de Nise. Trata-se de um mergulho que, ao mesmo tempo, aprende e frui.

A relação entre Leon-diretor-roteirista e Nise-autora-especialista ocorre de modo exemplar pela alternância dos voice-overs. Enquanto a presença de Silveira é demarcada pela fala de Lacerda, a de Hirszman, para além da articulação dos planos, se apresenta verbalmente pela narração do poeta Ferreira Gullar (1930-2016). No jogo das vozes, o duplo Leon-Gullar organiza a estrutura do filme de maneira a saber os momentos de sair de cena para dar voz à psiquiatra, colocando-se em posição de escuta, promovendo um diálogo silencioso no âmbito da visualidade.

O mesmo vale para o uso da trilha incidental original, assinada por Edu Lobo (1943). Suas incursões são pontuais, de modo que os silêncios entre as falas também fazem barulho. De maneira distinta em relação ao monumental São Bernardo (1972, dir. Leon Hirszman), em Imagens do Inconsciente o cineasta soube uma vez mais extrair grande potencial significativo das relações entre imagem, fala e silêncio.

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Serviço

Imagens do Inconsciente (1988), dir. Leon Hirszman

Roteiro: Leon Hirszman

Texto: Nise da Silveira

Imagem destaque do post: Planetário de Deus, por Carlos Pertuis

Episódios

Em busca do espaço cotidiano (Fernando Diniz)

No reino das mães (Adelina Gomes)

A barca do Sol (Carlos Pertuis)

Extra: Posfácio (entrevista com Nise da Silveira)