O meu pintor favorito, suas emoções e incógnitas

Por Daniel Felipe

Meu pintor favorito é o Luís. Não sei se o nome dele é escrito mesmo com esse acento gráfico, ou se de repente possui a letra Z no final. Mas o fato é que ele é meu pintor (contemporâneo, ao menos) favorito de verdade. Também não sei qual é seu sobrenome.

O Luís é dono de um Escort bem antigo, bem podrão, e mora em Almirante Tamandaré — acho que numa chácara, ou num lugar com um quintal mais ou menos grande, talvez com algumas galinhas. Até onde sei, sua mãe vive com ele. Lá eles cultivam abelhas, fabricam mel.

O Luís não tem uma obra memorável, um traço com intenções artísticas, mas há uma emoção contida, represada, que transparece naquelas pinceladas, naquele branco banal contra os tijolos, naquele vazio de sentido, em sua lentidão caprichosa. Há um registro original, genuíno, da passagem humana sobre a Terra, na rigidez imperfeita de alguns de seus trabalhos. De modo que prefiro sua emoção que não pretende ser artística, nada carregada de ideias, do que qualquer outra baboseira conceitual e sem emoções que se pode ver por aí.

O Luís não tem traquejo social, pois arregala os olhos e olha pro nada quando a gente fala com ele, como quem comete um delito e é descoberto. Seu cabelo (tirando a vez em que adotou o estilo moicano) lembra o do Xororó, um Xororó que usa boné.

Uma vez, o Luís se apaixonou por uma moça bem mais jovem, com muito mais dinheiro do que ele, mas sua timidez, sua falta de jeito, seu rubor escondido pelo bronze do trabalho sem proteção solar, nada disso impediu que ele ligasse pra ela e dissesse, de supetão: “eu gosto muito do seu jeitinho”. Bem, ela não. Ele, que na época trabalhava na casa do pai dela, foi temido nesse dia; foi motivo de riso também.

E é só isso o que eu sei sobre ele, embora possa imaginar várias outras coisas — do tipo “ele deve ser muito ligado com a senhora mãe dele”, “ele deve jogar bola toda semana mas não abre a boca em campo e não usa caneleiras”, “ele já se apaixonou por uma moça de programa”, “ele deve pensar muito rápido e por isso é tão envergonhado, um pensamento vai se embolando no outro e por isso ele praticamente não fala nada”.

Conjecturas, apenas.

Só o que posso dizer com certeza é que ele é uma incógnita, que sua arte não sobreviverá mas isso não a impede de ser bela.

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