Vi(s)agens: Trinta e quatro numa viagem de ônibus

Por Anthony Almeida

Tudo escuro em minha volta. O ônibus viaja, percorre a noite e, em poucos minutos, deixará para trás o dia trinta de setembro; entrará pelo dia primeiro de outubro e seguirá viajando. Me levará, escuridão adentro, para um novo aniversário. Embarquei com 33, desembarcarei com 34 anos de idade. Até onde me lembro, vai ser minha primeira translação celebrada num ônibus, numa estrada.

Termino de escrever o parágrafo acima às 23h58min. Peraí, já volto.

***

Voltei. São 00h07min. Não quis passar a hora da virada escrevendo. Mas, agora, retomo o texto e volto a batucar os polegares na tela do celular. Sua luz é o único facho que desponta. Os outros passageiros dormem e, no bloco de notas do aparelho iluminado, nasce mais uma crônica. É assim que elas têm nascido ultimamente. Pensar em ônibus e crônicas é, curiosamente, o que ocupa os primeiros minutos dos meus 34. O que se parece bastante com o que foram a maioria dos dias dos 33.

Na escuridão, contudo, enquanto deixei o celular apagado para a virada no calendário, algumas imagens se desenharam. Olhei o corredor: preto. O teto: preto. A janela: preto esfumaçado — há um nevoeiro lá fora. Olhei ao redor: também preto. Diante dessa ausência de luz, me senti como se estivesse com os olhos fechados. No escuro das pálpebras abaixadas ou do ônibus preto, difícil saber com exatidão, vi figuras aleatórias se desenhando com tinta vermelha: uma árvore, uma casa, um caminho entre elas, flores, pássaros. Tudo aparecendo como se estivesse sendo desenhado por uma mão invisível.

Com o desenho terminado, seus traços vermelhos cintilaram muito brevemente, duas ou três pulsações, e sumiram. Talvez tenham desaparecido quando abri os olhos, ou quando um farol de caminhão riscou a janela, iluminou tudo por alguns segundos e foi-se embora. Não sei direito se meus olhos estavam abertos ou fechados. Sei é que a boca acaba de se abrir, num preguiçoso e longo bocejo.

Acho que, ao invés de ficar pensando nessas coisas, eu devo mesmo é ir dormir; deixar de lado essa crônica tão sem luz e aproveitar que a poltrona do ônibus é confortável; deixar para pensar em aniversário, ano velho e ano novo durante o dia, quando eu já tiver desembarcado. É, vou fazer isso mesmo. Boa noite!

Rodovia do Café/PR. Outubro, 2023.

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