Por Fernanda Sypniewski
A relação entre a mulher e a histeria está sendo construída desde a Antiguidade, quando Platão (428/427 a.C.– 348/347 a.C.) atribuiu à “matriz” (útero) a causa das perturbações femininas que mais tarde resultariam na histeria. Nesse período, a histeria era considerada uma espécie de sufocamento do útero que perturbava, principalmente, as mulheres que não se casavam, não engravidavam ou abusavam dos prazeres carnais.
Hipócatres (460 a.C. – 377 a.C.), por sua vez, dedicou quase 250 páginas à “natureza da mulher” e ao “sufocamento da matriz”. A terapêutica sugerida por ele variava de acordo com a gravidade dos sintomas: para os casos menos graves podia-se cozinhar lentilhas no vinagre e aspirar seu vapor; já nos casos graves, uma das técnicas consistia na mulher aspirar pelas narinas um odor forte para que a matriz, fixada no alto, voltasse ao seu lugar original. Hipócrates, considerado o médico grego mais marcante da história da medicina, propôs que a solução para a histeria fosse um casamento seguido de gravidez. Esse ponto será retomado com todo vigor no século XIX.
No século XIX, foi reforçada a teoria de que o útero era um animal interno que habitava o corpo da mulher e deveria ser domado, pois provocava os mais diversos distúrbios. Esse esforço se deu pela entrada das mulheres no mercado de trabalho e na vida social, e também com a emergência do feminismo, que desafiava o dispositivo da sexualidade e as normas que pretendiam domesticar e propagar a imagem de uma mulher ideal que fosse casta, passiva e dessexualizada.
Os médicos oitocentistas se apropriaram dos textos da Antiguidade de uma maneira sexista e misógina, ao considerarem o sofrimento histérico como o resultado de um deslocamento do útero. Em consequência disso, surgiu uma grande sintomatologia de problemas relacionados ao corpo feminino. A histeria, nessa explicação sexista, seria derivada de insatisfações sexuais e maternas.
A cultura europeia produziu entre os séculos XVIII e XIX uma variedade de discursos para promover a adequação das mulheres a um padrão idealizado, apresentando um conjunto de atributos, funções e restrições denominado feminilidade. Esses discursos disseminavam a ideia de que as mulheres seriam sujeitos definidos a partir de suas naturezas, as quais precisavam ser domadas pela sociedade e pela educação, de modo a cumprirem o papel ao qual estariam naturalmente designadas: a maternidade.
Em Paris, as mulheres ditas inadequadas eram conduzidas ao Hospital da Salpêtrière, onde o famoso neurologista Jean-Martin Charcot (1825-1893) redescobriu a histeria, por meio de procedimentos clínicos e experimentais, fazendo uso da hipnose e de apresentações das doentes em crise. Charcot transformou a histeria em um espetáculo. Às suas apresentações compareciam médicos, jornalistas e curiosos a respeito dos ataques histéricos induzidos via hipnose. Nas três últimas décadas do século XIX, a Salpêtrière tornou-se uma cittá dolorosa, que encarcerava quase quatro mil mulheres incuráveis ou “loucas”, tornando-se o maior asilo para o sexo feminino de toda a França.
Todo o esforço de Charcot era voltado à construção uma sintomatologia para a histeria, colocando-a num grupo de lesões. Tal esforço foi em vão: o médico não descobriu onde a histeria se alojava. A causa era procurada no útero, nos ovários, no crânio, mas nada era encontrado. A histeria obrigava os médicos a reverem seus paradigmas. O corpo dessas mulheres sobrevivia entre crises e intervenções; ele continuava resistindo aos tratamentos médicos, até que um dia, sem explicações, a histérica se curava sozinha. O corpo histérico, que manifestava várias doenças ao mesmo tempo, tornou-se um paradoxo.
A invenção da histérica está ligada à produção de uma imagem da mulher tida como louca e rebelde, sendo o corpo histérico moldado, construído e formulado não somente pelo olhar atento de Charcot, mas também historicamente.
Para o filósofo Michel Foucault, a histerização do corpo da mulher é um dos quatro poderes disciplinares de saber e de poder sobre o sexo. Trata-se de um processo no qual o corpo é analisado, qualificado e desqualificado como um corpo saturado de sexualidade. Com isso, segundo Foucault, o corpo feminino foi integrado ao campo das práticas médicas e posto em comunicação com o corpo social, o espaço familiar e a vida das crianças, para garantir por meio de uma responsabilidade biológico-moral a figura da mãe. Essa figura está em contraponto à “mulher nervosa” – a imagem negativa da mulher.
O movimento de patologização da mulher se acelera no século XVIII, quando o corpo torna-se objeto médico. Desse modo, tentou-se fixar as mulheres à sexualidade, com discursos que propagavam a ideia de um “corpo frágil”, um corpo doente e/ou com maiores chances de doenças em relação aos dos homens.
O movimento feminista procurava, a partir dessa sexualidade que era alvo do controle dos discursos médicos, partir para uma outra direção e outras afirmações. A feminista contemporânea Susan Bordo afirma que o corpo (os cuidados com ele, a forma de vesti-lo etc.) é um agente da cultura: é nele que “comprometimentos metafísicos” da cultura são inscritos, funcionando também como uma metáfora da própria existência cultural. Para ela, o corpo não é somente um “texto da cultura”, mas principalmente um lugar ‘prático’ de controle social.
O controle do corpo feminino é exercido por meio da organização e da regulamentação do tempo, do espaço e dos movimentos da vida cotidiana. Esse corpo é treinado, moldado e marcado pelas formas históricas predominantes de individualidade, de desejo, e de masculinidade e feminilidade. Disciplinar e normatizar o corpo são estratégias de controle social que encontram nas mulheres o seu alvo “privilegiado”.
A psicanálise surge no meio de diversos discursos, práticas terapêuticas, inquietações e incertezas sobre a histeria. O interesse de Sigmund Freud pela histeria surgiu a partir de seu contato com os trabalhos desenvolvidos por Charcot: descobertas consideradas um ponto de virada para as pesquisas sobre a histeria e para a relação dos sintomas com a sexualidade. Charcot adicionou à etiologia da histeria a existência de uma experiência traumática e também a sua ocorrência em homens, possibilitando uma diferenciação em relação a outras doenças neurológicas, principalmente a epilepsia. Assim, a teoria do útero em movimento pelo corpo como causador dos sintomas histéricos foi, finalmente, abandonada. A histeria passou a ser compreendida como uma doença nervosa de origem orgânica e hereditária, entrando efetivamente no campo da ciência.
Com Freud, inaugurou-se um novo método terapêutico, inserindo as investigações e explicações sobre a histeria no campo da psicologia. A histeria, desse modo, passou a ser considerada de ordem psíquica. Na terapêutica freudiana, o paciente é convocado a narrar a sua história pessoal, para que o psicanalista possa localizar o momento traumático responsável pelo sintoma manifesto. Esse método de tratamento trouxe narrativas cujo componente sexual desempenhou um papel predominante, selando enfim um pacto entre a histeria e a sexualidade.
As críticas feministas a esse método estão ligadas aos conceitos de Complexo de Édipo e Complexo de Castração da menina, e à heteronormatividade como padrão estabelecido. Segundo essas críticas, Freud e a psicanálise reproduziriam as relações em que as mulheres são oprimidas, além de excluírem outras manifestações legítimas de sexualidade. Em contraponto, Freud pode ser considerado um teorizador de e sobre uma sociedade patriarcal.
O debate e as críticas entre feminismo e psicanálise são cercados de tensão entre os campos. É necessário reafirmar a importância da análise para a reconstrução da história individual do sujeito. Na relação com o Outro, o paciente pode articular a experiência do mundo com sua vida íntima, de modo a criar algum sentido ao seu viver cotidiano. A psicanálise parte, afinal, da criação de um sujeito autor de si mesmo e de sua própria fala.
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Crédito da imagem:
Untitled (Arch of Hysteria) – 1992
Gouache on tracing paper
Louise Bourgeois (1911-2010)


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