Um sujeito, fibra e disciplina. Uma crônica de lutas, olhares e partidas

Por Guilherme Schnell e Schühli

Cheguei cedo e não tinha muito a dizer. O tempo endurece as fibras das plantas e estas ficam cada vez mais reticentes em se dobrar. Seus tecidos de sustentação voltam-se à resistência construindo força em camadas de lignina. Passei a palma da mão sobre os caniços e encontrei o mais resistente. Prontamente saquei o canivete e cortei a varinha próxima à sua base. O vento chacoalhava a montanha e os caniços cresciam nessa dinâmica. Voltei na intenção de disciplinar, a varinha cantava ao transitar o espaço pendulando no ar.

Ele olhou de longe e não esboçou qualquer emoção senão a mesma raiva que o conduziu. Seus olhos fitos nos meus esquadrinharam meu espírito até minhas áreas mais recônditas. Em pouco tempo procurei com ele o que havia dentro de mim. Se houvesse algo impróprio, que eu encontrasse primeiro prevendo a chance de fechar a porta de algum cômodo inconveniente. Sua postura altiva desafiou minha urgência educacional e minha mão segurou firme o seu antebraço esquerdo. Seus olhos não se distraíram nem por um segundo. Me media como um relógio, milésimo a milésimo como que estudando o golpe. A palma da minha mão deslizou ao antebraço, pude senti-lo rígido como imbuia. Pouco tempo para tamanha resistência na vida. Seus olhos mantinham-se firmes, nada nele se curvava. 

Vivia entre expectativas que extenuavam a já limitada capacidade de resistir. Precisava da aprovação homeopática de todos, pela qual lutava incessantemente. Era um curvar constante até para o que não se podia curvar. Nunca houve fome, nenhuma necessidade outra que não o reconhecimento de que existia. Garimpava uma identidade entre caniços, tudo para sorver o caldo ralo de valor, rara neblina. Poderia dizer que aprendi a me dobrar a todo vento não pela necessidade de vencer a dificuldade, mas para atingir as demandas de alguém. Foram nessas memórias que saí buscar o caniço. As fibras eram a exigência dos ecos, a expiação necessária para uma identidade. Imaginava poder ser eu o vento sobre os outros bambuzinhos.

Na dinâmica tensa entre o vigor e a adrenalina que tomavam o cômodo, o braço por um instante interrompeu a varinha. O tempo dessa encenação empacou em um susto, algo inesperado. Os olhos não sustentavam as fibras. Despenquei ao chão em um choro convulsivo. Passado e varinha largados no assoalho de madeira, memórias pelas paredes e distâncias pelos vãos. O vigor e a resistência.

Do assoalho o homem via de soslaio, o menino ao longe correndo, a silhueta da montanha. Sua cabeça em pé, altiva e livre. Levantei-me como pude recostando sobre a parede de tábuas. Alcancei a varinha e a curvei como pude. De longe ouviu-se no vento o eco. Tudo que era fibra, naquele momento, partiu.  

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