Por Daniel Felipe
Os planos iniciais de O monstro do pântano (Swamp Thing, 1982, direção de Wes Craven) situam o espectador em meio a uma espaço isolado, composto por vegetação densa e úmida. É para lá que se dirige Alice Cable (Adrienne Barbeau), que irá substituir, a contragosto, um colega de trabalho que fora morto por um jacaré. No local, o cientista Alec Holland (Ray Wise) trabalha com sua irmã em experimentos científicos de grande potencial, que envolvem plantas e células animais.
Na primeira sequência em que interagem, Cable e Holland já se verão envolvidos. Pouco tempo depois, o local será invadido por mercenários vestidos como soldados, contratados pelo vilão rico e poderoso Anton Arcane, que quer se apossar do trabalho do cientista. Na ocasião da invasão, o local é destruído, a equipe científica é massacrada e Holland é alvejado pelas munições dos inimigos enquanto segura os compostos químicos nos quais trabalhava. O líquido se espalha em seu corpo. Para tentar se salvar, ele pula no pântano e, após ser considerado morto, retorna como o monstro que dá título ao filme — oriundo, aliás, de uma HQ da DC Comics — em transformação que marca a passagem do primeiro ao segundo ato.
A partir desse ponto, o monstro do pântano (agora interpretado por Dick Durock) surgirá em cena sempre que os mercenários tentarem capturar Alice. O filme trabalha com essa dinâmica de bela e fera a partir dessa perspectiva de busca e de proteção do feminino por parte desse masculino que mergulha no lodo — poderíamos também chamar de submundo ou mesmo de inferno — e retorna como uma besta forte e praticamente invencível.
Um dos elementos que mais chamam a atenção na obra diz respeito à grande mudança de realidade ocorrida não apenas com a chegada dos mercenários ao laboratório remoto, mas sobretudo com relação à saída deles do local. Enquanto os cientistas só conseguiam acessar o espaço via helicópteros e nele se locomoviam de modo precário e perigoso, Arcane, como bom capitalista e ladrão de produção intelectual, consegue entrar e sair da região via estrada, fazendo uso de um carro de luxo e com pistoleiros à tiracolo.
Quando Arcane enfim coloca as mãos na fórmula de Alec, ele primeiro a testa em um de seus capangas. Ao invés de ganhar a força do cientista, ele se torna uma pequena e frágil criatura, reflexo de sua timidez e insegurança. Descobre-se, portanto, que a forma final de quem ingerir o experimento dirá respeito a uma tradução de seu próprio interior. Munido da certeza de sua grandiosidade, Arcane faz uso da substância e se transforma primeiro em uma figura disforme, para em seguida tomar uma forma parecida com a de um crocodilo.
Desse modo, há uma oposição bastante clara entre ambos: uma das bestas é dotada de inteligência e consciência, enquanto a outra, sombria, é capaz de usar apenas a parcela instintiva de seu cérebro. Mesmo na luta corporal, é Holland quem sairá vencedor ao final.
A derrota do inimigo marca também a despedida de Holland e Cable. Não há mais do que protegê-la, afinal. O monstro consciente pede à mulher que se cure e que conte ao mundo a história sinistra que vivenciaram. Nesse sentido, o filme é particularmente sagaz na maneira como trabalha a narrativa a partir de simbologias arquetípicas — o masculino e o feminino (ou animus e anima), o embate entre consciência e sombra, a criança ferida etc.
Passadas quatro décadas de seu lançamento, o que mais chama a atenção em “O monstro do pântano” talvez seja o modo como a obra envelheceu. O aspecto tosco (ou trash) da caracterização dos monstros torna o trabalho um precioso documento histórico de sua época e de suas condições tecnológicas e financeiras de produção. Há beleza no lixo, enfim.
Dois anos mais tarde, Craven dirigiu seu trabalho mais reverenciado, A Hora do Pesadelo, estreia do personagem Freddy Krueger; e, a partir da década seguinte, quatro volumes da franquia slasher Pânico.
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Serviço
O monstro do pântano (Swamp Thing, 1982), direção de Wes Craven


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