Por Fernanda Sypniewski
Augustine Gleizes, aos 16 anos, foi admitida no serviço de neurologia da Salpêtrière e exibida como uma histérica nas aulas do neurologista Jean-Martin Charcot. No século XIX, o Hospital da Salpêtrière era uma espécie de inferno feminino, encarcerando quatro mil mulheres incuráveis ou consideradas loucas – o maior hospital geral para mulheres da França e o principal centro de referência sobre a histeria. Foi entre os muros do hospital que Charcot redescobriu a histeria por meio de procedimentos clínicos e experimentais: a hipnose e as aulas de terça e sexta-feira, nas quais seus alunos lhe apresentavam quadros típicos ou de difícil diagnóstico, iniciando seus estudos em busca da semiologia diferencial da histeria.
O grande trabalho de Charcot foi a construção do quadro clínico da Grande Histeria, quadro que, ao longo dos anos, foi enriquecido e expandido por seus discípulos, incluindo Sigmund Freud. Esse quadro distingue-se em quatro fases: a fase aura, que marca o início da crise; a fase epiléptica, o ataque propriamente dito, com gritos, perda de consciência e queda acompanhada de rigidez muscular; a fase clônica, com grandes movimentos, contorções, gesticulações e expressões de pavor, medo e ódio; e, por fim, a fase resolutiva, em que surgem soluços, choros e risos. Charcot foi o médico que disciplinou a histeria, estabelecendo para a grande neurose um inventário metódico de suas manifestações, comparando-as e identificando em que cada uma delas, apesar das semelhanças, diferia das manifestações análogas de origem neurológica – como a epilepsia.
Assim, a histeria passava a ser uma doença como as demais, entrando, enfim, na ciência. O inventário das manifestações histéricas estava pronto, abrindo caminho para novas perspectivas de pesquisa: experimentação, avaliações médicas e experiências com histéricas.
Todo o trabalho, inclusive fotográfico, foi deixado para a posteridade na Iconografia Fotográfica da Salpêtrière: Service de M. Charcot (1877), onde tudo foi documentado: poses, crises, gritos, atitudes passionais, êxtases – todas as fases do ataque histérico. Assim, a clínica da histeria foi transformada em espetáculo, uma invenção da histeria, um espetáculo da dor. O historiador Georges Didi-Huberman compara esse espetáculo com os freak shows, nos quais os atores tinham suas imagens e corpos explorados como mercadoria para o prazer do diretor e do público.
A Salpêtrière era um museu patológico vivo, o grande empório das misérias humanas, segundo o próprio Charcot. Entretanto, seu método se deparou com um problema: não era possível expor os nervos de um doente para ver como funcionavam, nem observar as patologias das circunvoluções cerebrais sem ceifar a vida do sujeito. Para resolver o impasse, Charcot criou o método anatomoclínico, com o qual se tornava possível identificar no corpo sintomático os efeitos provocados pelas alterações do sistema nervoso e, assim, analisá-lo. Comprometido com seu método e buscando repetir esses estudos em um grande número de casos para determinar a localização da lesão causadora dos sintomas, Charcot voltou-se para a fotografia, acreditando ser possível captar a origem secreta da enfermidade.
As patologias, no século XIX, eram estudadas através de seus efeitos sobre os corpos e compreendidas por alterações comportamentais e sinais físicos, especialmente na face, considerada a melhor parte do corpo para captar sinais da patologia. As experiências com fotografias na medicina buscavam não apenas registrar a aparência da morbidez corporal, mas também captar as mínimas variações expressas pelo corpo, invisíveis ao olho humano.
As fotografias mais célebres capturavam o instante do ataque histérico, carregadas de sexualidade. Entre as imagens das fases do ataque histérico, destacam-se as que registram Louise Augustine Gleizes (1861-?), uma das mais célebres pacientes histéricas de Charcot, que foi a mais fotografada, com vinte e duas imagens incluídas nos dois volumes da Iconographie, apresentadas como evidências das teorias do médico.

Retrato da paciente Augustine
Aos quatorze anos, Augustine sofria de ataques convulsivos frequentes e paralisias que afetavam o lado esquerdo do corpo. Ela chegou ao hospital após sofrer uma violência sexual de seu patrão. Após o episódio, voltou à casa dos pais com severas dores abdominais e episódios de vômito. O médico a diagnosticou como estando em seu primeiro período menstrual, sem identificar as lesões traumáticas. Alguns dias depois, sofreu sua primeira convulsão histérica. Ao longo de seis semanas, teve repetidos ataques.
Mesmo antes de testemunharem um ataque, os médicos a diagnosticaram como histérica: “tudo nela anuncia a histeria”. Após um exame minucioso, os médicos da Salpêtrière determinaram que o lado direito de seu corpo estava comprometido e que ela sofria de movimentos involuntários em várias partes do corpo. Charcot a reduziu a seus sintomas: eram os movimentos involuntários o foco, e não a jovem acometida pelas afecções. O primeiro ataque histérico ocorreu em dezembro de 1875, menos de dois meses após seu internamento. Durante três meses, foram registrados 154 ataques. Antes do ataque, Augustine era tomada por uma “aura” que começava com distúrbios psíquicos e terminava em sensações somáticas e alucinações visuais. Quando o ataque se aproximava, sentia uma dor intensa no ovário direito, irradiando-se para a perna. Charcot afirmava que a “aura” implica “uma dor complexa e específica da histeria, feita de irradiações ascendentes e constrições nodais dolorosas”.
Augustine foi o modelo para o conceito de histeria, considerada uma histeroeptíletica ideal, o que a transformou em uma “grande estrela da Iconographie”, com uma espécie de dramatização de seus sintomas em atos, cenas e quadros – a chamada intermitência plasticamente regular.
Todo o trabalho fotográfico de Charcot foi em prol de um avanço científico. Essas imagens deveriam ser a própria memória do saber, preservando o registro duradouro de todas as manifestações patológicas, capazes de modificar a aparência externa do enfermo e imprimir-lhe um caráter particular. A fotografia permitia cristalizar uma imagem ou uma série de imagens, fixando um quadro clínico para determinar as características “fáceis” de cada enfermidade. Esse foi o trabalho que Charcot concluiu com pleno sucesso.

Assim, as “fáceis” resumiam e generalizavam o caso, permitindo sua previsão pela aparência do rosto, o local onde a superfície corporal revela algo dos movimentos da alma. A aparência do rosto, subsumida nas imagens “fáceis“, codificava-se como uma descrição física detalhada.
O que os homens perseguiam na histeria era, antes de qualquer coisa, uma espécie de bête noire (“besta negra”). Em 1888, Freud escreveu que a histeria era, há muito, o bicho-papão dos médicos. Mas essa já é outra história…


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