Hitchcock e o espectador-expectador: uma análise dos suspenses de nossa época

Por Fabiana Pequeno

Hitchcock sempre defendeu que os filmes de Suspense eram superiores aos filmes de Terror. Segundo ele, o Terror recorria à brutalidade e à ojeriza para fornecer o solavanco emocional desejado. Ele reconhecia que os dois gêneros provocam emoções no espectador, mas que os de Terror são pelo efeito da surpresa, enquanto os de Suspense são construídos pelo aviso antecipado. De forma análoga, ele compara as duas categorias de filme a dois tipos diferentes de bomba: o Suspense seria uma bomba voadora, que faz um barulho de motor que avisa sua chegada, e o Terror seria uma bomba V-2, que não faz barulho nenhum até a sua explosão. Ele dizia que o momento entre o instante em que o motor da bomba voadora começava a ser ouvido e sua explosão final era de Suspense. Já uma pessoa que tenha ouvido uma V-2 explodir e tenha sobrevivido, experimentou o Terror. Nesse sentido, Terror e Suspense não podem coexistir, pois quanto mais a plateia está ciente dos perigos que ameaçam os personagens, mais a surpresa, caso o perigo se materialize, fica reduzida. 

Alfred Hitchcock

Embora enxergasse diferenças entre os dois gêneros, Hitchcock também percebia um ponto de convergência entre ambos. Tanto no Terror quanto no Suspense a ameaça pode ser real ou imaginária¹. Como exemplo, o cineasta disse que em uma rua deserta e escura podemos levar um susto (terror) ao nos depararmos, de repente, com um simples galho de árvore. Nos deu medo, mas não corríamos nenhum perigo. Na mesma rua deserta, ao caminharmos, podemos escutar passos e ficamos curiosos. Aos poucos isso se transforma em desassossego e ficamos tensos (suspense). Entretanto, aqueles passos poderiam ser do eco dos nossos próprios sapatos. Poderíamos dizer que nas neuroses a ansiedade se apresenta de forma similar ao do suspense, pois a emoção despertada, embora vivida no presente, diz de um perigo futuro, que pode ou não ser infundado. Isso nos remete ao texto de Freud de 1920, no qual ele também propõe uma diferenciação entre o Susto, vivência do Terror, e a Ansiedade, experiência mais próxima do Suspense. Ele ainda inclui o Medo como uma terceira categoria desta divisão: “A ‘ansiedade’ descreve um estado particular de esperar o perigo ou preparar-se para ele, ainda que possa ser desconhecido. O ‘medo’ exige um objeto definido de que se tenha temor. ‘susto’, contudo, é o nome que damos ao estado em que alguém fica quando entrou em perigo sem estar preparado para ele, dando-se ênfase ao fator surpresa” (FREUD, 1920, p.23). Um quarto termo cabe aqui, a “angústia”, que para Lacan é a vivência pura do real, ou seja, daquilo que não faz sentido, que não se pode nomear. 

Filme Hitchcock

A relação feita por Hitchcock entre os gêneros cinematográficos e as bombas diz muito sobre o contexto histórico que acompanhou sua carreira, já que ele foi um cineasta ativo durante a 2ª Guerra Mundial. Provavelmente, o favoritismo pelo Suspense dissesse de um desejo prevenido, assim como o desejo fóbico na neurose, por alguma possibilidade de evitação frente à morte. Se estamos de alguma forma cientes do que está por vir, talvez seja possível nos prepararmos, ou até mesmo evitarmos, a tragédia. E nisso é provável que o diretor estivesse representando as angústias de toda uma geração. E o que podemos dizer sobre a nossa geração? Geração essa que vivenciou o susto de uma pandemia inesperada, a tragédia anunciada da ebulição climática, incertezas políticas e econômicas e a violência resultante das desigualdades sociais. Assim como aquele que assiste a uma película de Hitchcock, os sujeitos de hoje se tornaram espectadores-expectadores, que observam na vida e nas redes toda sorte de infortúnios, esperando o momento em que serão eles as vítimas. Não à toa, notamos o quanto as pessoas têm buscado garantias que as permitiriam satisfazer o desejo por segurança. Não só limitadas ao espaço de suas casas e carros, mas também às bolhas de seus algoritmos, em um círculo vicioso e imaginário da internet, no qual tem-se a ilusão de que se sabe de tudo. E assim esperam pelos terrores da vida em uma conformidade resoluta.

Queremos ter acesso à informação o tempo todo para evitar os sustos, mas nos colocamos em uma posição de suspense, o que nos torna ansiosos. Não à toa as questões de saúde mental de nossa época têm se intensificado. Enquanto público, nos mantemos de alguma forma seguros em nossas poltronas, mas não inteiramente protegidos dos mecanismos do nosso inconsciente. E nem do real. E já que dele não escapamos, a pergunta que fica é: o que fazemos com isso? O que mais se pode fazer além de esperar? Talvez seja justamente trocar de lugar com Cary Grant, Tippi Hedren e James Stewart, e atuar. Atuar não no sentido da encenação, mas do ato, da ação. Sermos protagonistas ao invés de espectadores-expectadores. Vivermos a vida ao invés de assisti-la pelas telas do celular.

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 ¹Aqui os termos não estão sendo usados em um sentido Lacaniano.

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